Entenda como funcionam os sistemas de codificação das válvulas

Introdução

Você já leu Frankeinstein, de Mary Shelley? Ou assistiu a fabulosa adaptação para o cinema de Kenneth Branagh: Mary Shelley's Frankeinstein? Tem Robert De Niro como a criatura e o próprio Branagh como Dr. Victor Von Frankeinstein! Se não viu, então veja! Ou leia o livro! Ou faça melhor e leia o livro e depois veja o filme! Ou o contrário! Vale a pena!

Quem já teve contato com essa obra magnífica, deve se lembrar da cena no gabinete do Capitão Walton, bem no final do livro, em que a criatura está chorando ao lado do corpo do Dr. Frankeinstein. O capitão pergunta: "Quem é você?". A criatura corpulenta levanta lentamente os olhos molhados e diz:

-Ele nunca me deu um nome!

A válvula eletrônica é uma criatura de Frankeinstein nesse pormenor. O dispositivo nunca foi propriamente batizado. Em lugar disso, sempre foi chamado de algo parecido em forma ou função. Em português, chamamos a coisa simplesmente de válvula. Existem vários outros significados para palavra válvula e seu uso comum é em hidráulica ou medicina! Em espanhol ou italiano a coisa é chamada de "lâmpada". Em inglês é chamado de "tubo de vácuo".

Quando o transistor foi criado, seus inventores se preocuparam em dar um nome para a peça. Algo original e que não fosse confundido com outras coisas. Juntaram então as palavras "transmissor" e "resistor" cunhando o termo "transistor".

A válvula eletrônica não é uma lâmpada, é muito mais que simplesmente um tubo de vácuo e está loge de ser um componente hidráulico.

Não é a toa que é um assunto que gera grande curiosidade e dúvidas entre os que começam a montar coisas com válvulas. Você vai a uma loja de eletrônica, pede uma válvula e te mandam para uma revenda da Decca. E quando acha o que procura, vê coisas como 6L6GC, 6l6WXT+, 6L6WGC e mais um sem número de combinações. Ou a célebre questão da 12AX7 versus ECC83. Mas qual é a diferença entre todos esses tipos? Ou há de fato alguma diferença? Até o final deste artigo, espero ter respondido estas questões.

Sistemas de codificação

Pouca atenção foi dada pelas pessoas envolvidas no desenvolvimento da válvula em nomear apropriadamente o dispositivo. Menos atenção ainda foi dada pela indústria. No princípio cada fabricante dava o nome que bem entendesse a peça que estava produzindo. Demorou até que alguma organização resolvesse normalizar os padrões a serem seguidos. Quando as normatizações apareceram, foram desencontradas e cada um seguiu a que melhor lhe convinha.

Para confusão dos que hoje tentam se aventurar na eletrônica valvulada, há quatro sistemas de codificação que sobreviveram. Existe a codificação que hoje é chamada de industrial, a europeia, a americana e a russa. Cada sistema tem suas regras próprias, mas estas nunca foram seguidas tão rigorosamente pelos fabricantes. Vamos analisar cada um desses sistemas separadamente.

Sistema Industrial

Este é o sistema mais óbvio e simples possível. Apenas um número dado de forma seqüencial para designar cada válvula. O número diz muito pouco sobre do que se trata e, sem um manual de válvulas para traduzi-lo, o usuário fica sem pista alguma da função da peça. Este sistema foi largamente aplicado pelos militares, justamente por não dar pistas do componente. Uma letra pode vir depois dos dígitos numéricos para indicar versão. Assim uma válvula 6146A é uma versão melhorada da 6146 e a 6146B é uma versão melhorada da 6146A. O sistema de letras sufixo foi aprimorado e expandido nos códigos americanos.

Exempos desses códigos são: 42, 76, 80, 811A, 6146B, etc.

Sistema americano

Este é um sistema com um pouco de pé e cabeça. Uma sequência de números e letras que tentam dar alguma dica do que está acontecendo dentro da peça. O código em si consiste de um número, uma ou duas letras, outro número e opcionalmente mas algumas letras. Vamos ver em detalhes cada uma destas partes.

Primeiro número

O primeiro grupo de números dá um indicativo da voltagem de trabalho do filamento da válvula. Não é a voltagem exata, mas uma espécie de tensão nominal de trabalho. Vejamos alguns exemplos:

0 - Indica catodo frio. Não há filamento.
1 - Indica que o filamento trabalha com tensão de 1V a 1,9V. Normalmente 1,4V
2 - Filamento de 2V a 2,9V. Normalmente 2,3V
3 - Filamento de 3V a 3,9V. Normalmente 3,15V
4 - Filamento de 4V a 4,9V. Normalmente 4,2V
5 - Filamento de 5V a 5,9V. Normalmente 5,0V
6 - Filamento de 6V a 6,9V. Normalmente 6,3V
7 - Aqui tem uma exceção! São filamentos de 6,3V também!
8 - Filamento de 8V a 8,9V. Normalmente 8,4V
9 - Aqui a coisa vira uma bagunça. Tem algumas válvulas iniciadas por 9 que tem filamento para 6,3V. Outras tem para 13V. Não confie muito.
10 - Volta a normalidade. Filamento de 10V a 10,9V.
11 - Filamento de 11V a 11,9V
12 - Filamento de 12V a 12,9V. Normalmente 12,6V. Muitas válvulas com filamento para 12,6V, como as 12AX7, 12AU7 ou 12BY7 têm filamentos que permitem a ligação em 6,3V ou 12,6V. Por isso preste atenção ao ligar uma dessas para não torrar o filamento.
13 - Filamento de 13V a 13,9V
14 - Filamento de .......

Bom, acho que já deu para pegar a ideia! A normalização é que a tensão do filamento vai de X,0V até X,9V, sendo X um número qualquer. No entanto, existem várias exceções. Convém sempre consultar um manual para ver a tensão correta antes de ligar. Mesmo assim, a regra funciona e se você não tem outra dica, lique na voltagem indicada. Com sorte vai esquentar corretamente.

Letras principais

Depois da voltagem nominal, vem uma ou duas letras para diferenciar o tipo. As letras são dadas na seqüência e não tem qualquer significado exato. Então os códigos começaram com A, B, C... V, AB, AC e assim por diante.

As letras X, Y e Z foram reservadas para indicar retificadores, mas essa não é uma regra rígida. A 6Z7G por exemplo é um triodo duplo.

A regra de nomenclatura também diz que, havendo duas letras, estas devem ser distintas. Portanto, não há válvulas AA, ou BB. As letras I e O não são usadas, para não serem confundir como um e zero respectivamente.

Segundo número

O segundo número deveria ser a quantidade de elementos no interior da válvula. Digo deveria, pois muitas vezes não é, ou quem contou, contou errado. Então vejamos alguns casos:

6SN7 - É um duplo triodo com 7 elementos. Dois catodos, duas grades, duas placas e um filamento.
12AX7 - Idem! Dois catodos, duas grades, duas placas e um filamento.
6DJ8 - Dois catodos, duas grades, duas placas, um filamento e uma blindagem interna.
6L6 - Um catodo, uma grade de controle, uma grade auxiliar, um defletor de feixe, uma placa e um filamento.
6BM8 - Dois catodos, duas grades, duas placas, uma grade auxiliar, um defletor e um filamento. Contei 9!
6CA7 - Um catodo, uma grade de controle, uma grade auxiliar, um supressor, uma placa e um filamento. Eu contei 6!
6BQ5 - Um catodo, uma grade de controle, uma grade auxiliar, um supressor, uma placa e um filamento. Contei 6 de novo!

Faz mais de vinte e três anos que eu aprendi esta regra e venho contando esses elementos da válvula. Queria que alguém me dissesse como os fabricantes conseguem chegar nesses números! Esta regra é a pior delas, pois o grosso das válvulas não encaixa.

Letras opcionais

Aqui também existe muita coisa que não encaixa, mas felizmente essas letras não querem dizer nada muito sério. A industria de válvulas atual criou mais uma porção de sufixos apenas por propaganda, o que aumenta a confusão. Vejamos alguns sufixos:

A - Representa uma melhoria no desenho original. A 12AX7A tem um filamento com aquecimento controlado. Só faz diferença se for ligar em série. Não pague mais por uma dessas!
B - Representa uma melhora em relação modelo com sufixo A. A 5U4G admite um pico de corrente de 800mA. A 5U4GA admite 900mA e a 5U4GB suporta 1000mA.
C - Melhoria em relação ao tipo B. Acho que deu para pegar a idéia, né?
E - Versão para exportação.
G - Indica que a válvula tem um invólucro de vidro. As primeiras peças com base octal foram produzidas com invólucros metálicos, que eram menores e permitiam melhor dissipação de calor. Os invólucros de vidro da época eram do tipo bulboso.
GT - Indica invólucro de vidro com formato tubular, em oposição ao bulboso.
GT/G - São válvulas com invólucro GT mas com as mesmas características da versão G.
X - Indica base cerâmica. Em algumas aplicações em alta frequência a baquelite não é adequada.
Y - Base Robusta. Entre válvulas tipo octal é comum encontrar algumas com a base solta. Em algumas aplicações isso pode ser um problema, e uma base mais reforçada deve ser aplicada
W - Representa um tipo mais robusto em relação ao modelo padrão. Uma 6AQ5W por exemplo pode ter o vidro mais grosso e passar por testes mais rigorosos que uma 6AQ5 padrão.

Os sufixos podem ser combinados para dar várias informações sobre a peça. Uma 6L6GC, por exemplo, é uma peça com invólucro de vidro bulboso e aprimorada em relação a 6L6GB.

Existem outros sufixos que vem sendo usados pela industria, mas que não encontram amparo na momenclatura tradicional. A Sovtek lançou no mercado as 6L6WXT+ e a 12AX7LPS. Não consigo imaginar um significado para estes sufixos e devem ser apenas propaganda.

Sistema Europeu (Philips)

O sistema europeu na verdade foi criado pela Philips para nomear suas peças e gradativamente adotado por outros fabricantes. É um sistema bastante simples e que dá bastante informações sobre o componente. O código é formado por uma sequência de letras e números. A primeira letra dá informações sobre o filamento.

A - Filamento para 4V
C - Filamento para ligação em série em circuito de 200mA
D - Filamento para 1,4V proveniente de baretia.
E - Filamento para 6,3V. Sem dúvida o mais popular.
G - Filamento para 5V.
H - Ligação em série em circuito de 150mA.
K - Filamento para 2V proveniente de bateria.
P - Ligação em série em circuito de 300mA.
U - Ligação em série em circuito de 100mA.
X - Ligação em série em circuito de 600mA.
Y - Ligação em série em circuito de 450mA.
Z - Catodo frio.

As letras seguintes dão informação a respeito da função da peça. Havendo mais de um elemento interno, as letras são repetidas, identificando cada um deles.

A - Diodo simples para rádio-frequência.
B - Diodo duplo para rádio-frequência (um catodo e duas placas)
C - Triodo, exceto os de saída e tiratrons.
D - Triodo de saída.
E - Tetrodo, exceto os de saída.
F - Pentodo, exceto os de saída.
H - Hexodo ou heptodo.
K - Octodo ou heptodo.
L - Pentodo de saída.
M - Indicador de sintonia.
P - Válvula de emissão secundária.
Q - Eneodo
T - Tipo não listado, miscelânea.
X - Retificador a gás de onda completa.
Y - Retificador de meia onda a vácuo.
Z - Retificador de onda completa a vácuo.

Após as letras, seguem dois ou três dígitos numéricos. O último dígito é simplesmente um número sequencial. Os dígitos anteriores indicam o tipo da base:

1 - Base Y9 de 9 pinos. Ex EL11
3 - Base octal de 8 pinos. Ex. EL34, GZ34
4 - Base rimlock de 8 pinos. Ex. EL41, ECH42
5 - Base Pata de Elefante.
7 - Base Lapiseira com terminais longos para soldar.
8 - Base miniatura de 9 pinos. Ex. EL84, ECL82, EF86
9 - Base sub miniatura de 7 pinos Ex. EL90, EBC91
15 - Base Y10 de 10 pinos. Um exemplo seria a EL156, entretanto as peças fabricadas atualmente são dotadas de base octal.
18 - Base miniatura de 9 pinos. Ex. EF184
50 e 51 - Base magnoval de 9 pinos. Ex. PL509, GY500, EL519
80 Base miniatura de 9 pinos. Ex ECL805

Várias excessões podem ser encontradas para esta regra. Recentemente a JJ Electronics lançou o duplo triodo ECC99, que tem base miniatura de 9 pinos em lugar da sub-miniatura de 7 pinos. O pior é que o código ECC99 já havia sido usado antes para designar um triodo duplo de catodo comum usado em computadores, que nada tem a ver com a ECC99 atual.

Letras colocadas após os números não tem significado dentro do padrão da codificação. Por exemplo a ECC83S das JJ, o S, segundo o fabricante, representa uma peça silenciosa, mas isso é um sistema interno da JJ e não tem respaudo na normatização.

Pode haver inversão na ordem dos números e letras para indicar tipos especiais. Por exemplo a E88CC é uma versão de alta confiabilidade da ECC88 e são intercambiáveis. O mesmo ocorre com a EL34 e a E34L. Entretanto, isso não é necessariamente obrigatório. Por exemplo, EL81 e a E81L são duas válvulas completamente diferentes em forma e função.

Sistema Russo

А Б В Г Д Е Ё Ж З И Й К Л М Н О П Р С Т У Ф Х Ц Ч Ш Щ Ъ Ы Ь Э Ю Я