ATENÇÃO: As reações químicas que descrevo abaixo liberam calor. Recomendo o uso de recipientes de vidro. Se forem usados recipientes de plástico, a temperatura da reação deverá ser monitorada.
A grande maioria das pessoas que faz placas de circuito impresso em casa usa percloreto de ferro como corrosivo. É um produto barato, seguro, não gera gases tóxicos e não queima a pele. A pior característica do percloreto de ferro é manchar tudo o que entra em contato, principalmente roupas. Essas manchas podem ser removidas com produtos adequados para tratar manchas de ferrugem, mas mesmo assim não é uma tarefa fácil.
Com 100ml de solução de percloreto de ferro com concentração de 500g/l é possível fazer uma boa quantidade de placas antes do produto perder sua capacidade de dissolver o cobre. Uma vez esgotada esta capacidade, o destino da solução normalmente é o ralo. Isso traz uma série de problemas:
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O percloreto de ferro enfraquecido tem uma grande quantidade de cobre dissolvido, que é tóxico em altas doses. Aqui entra a preocupação ecológica.
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Mesmo fraca, a solução ainda é corrosiva. Não é mais eficaz com cobre, mas outros metais são atacados com força.
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Jogando fora sua solução, você vai ter que sair para comprar mais.
Quero passar a diante uma dica que tenho usado já faz algum tempo com resultados ótimos. É possível recuperar a capacidade corrosiva da solução com coisas que você tem em casa!
Primeiramente, vamos entender como o percloreto de ferro funciona. A substância vendida no mercado com o nome usual de Percloreto de Ferro é o cloreto férrico. Existem duas formas de cloreto de ferro, o bivalente (cloreto ferroso FeCl2) e o trivalente (cloreto férrico FeCl3). O ferro trivalente é um oxidante forte. Em contato com metais como o cobre ocorre a seguinte reação:
(I) 2 FeCl3 + Cu → 2 FeCl2 + CuCl2
Na reação I, o cobre foi oxidado e passou a fazer parte da solução na forma de cloreto de cobre. O ferro trivalente foi reduzido a ferro bivalente e não é mais um oxidante forte. A beleza deste processo é que o cobre desaparece sem gerar gás ou outro resíduo. No entanto a concentração de ferro trivalente diminui e a solução fica menos eficaz.
Como vivemos em um planeta com uma atmosfera rica em oxigênio, podemos recuperar parte da força da solução apenas deixando-a em contato com o ar:
(II) 12 FeCl2 + 6 H2O + 3 O2 → 8 FeCl3 + 4 Fe(OH)3
O hidróxido férrico é aquela casca ou lodo com cor de ferrugem que se forma no fundo do frasco em que guardamos o percloreto de ferro usado. Desta forma o ferro vai gradativamente sendo removido da solução na forma de ferrugem e o cobre vai entrando em seu lugar. A cor da solução muda com o passar do tempo de um marrom intenso para um verde escuro quase negro. Enquanto houver ferro trivalente em concentração suficiente, a solução poderá ser usada novamente. Por isso é bom deixar a solução exposta ao ar depois de usar, pois recuperamos parte da concentração de ferro trivalente. Normalmente eu deixo passar a noite na mesma bandeja usada para a corrosão.
Depois de alguns decímetros quadrados de cobre corroído, a concentração de ferro na solução é baixa demais para que se possa usar com eficiência. Restam duas opções: descartar a solução, que agora é mais cloreto de cobre, e por isso tóxica e corrosiva para outros metais, ou recuperar a solução!
Por uma sorte, o cobre é capaz de oxidar o ferro metálico em ferro bivalente segundo a reação:
(III) CuCl2 + Fe → Cu + FeCl2
Para executar a reação III basta adicionar ferro metálico à solução. Coloque sua solução em um recipiente de vidro e acrescente palha de aço. Mexer levemente ajuda a acelerar o processo. Use um bastão de vidro, madeira ou utensílio resistente a temperatura e corrosão (plástico). Não use metal!
A reação III libera grande quantidade de calor, por isso deve-se tomar cuidado. Não jogue toda a palha de uma vez. Para 100ml de solução bem usada, pode ser necessário 2 ou 3 unidades de palha. Coloque aos poucos e, se ficar muito quente, deixe esfriar antes de por mais. O que restar de ferro trivalente na solução também será convertido em ferro bivalente. Ao final do processo você terá uma solução translúcida de cor variando entre amarelo e verde bem claro e no fundo do frasco estará todo o cobre que você retirou das suas placas de circuito.
Agora você terá que filtrar a solução para retirar todo o cobre. Pode usar papel de filtro desses de fazer café. Para o filtro não colmatar (entupir) muito rápido, deixe a solução decantar um tempo antes de filtrar. A parte sólida pode ser jogada no lixo sem problemas. Neste momento você terá em mãos uma solução de cloreto de ferro bivalente pronta para ser oxidada a percloreto de ferro. Vamos novamente realizar a reação II.
Você pode simplesmente deixar a solução exposta ao ar por umas semanas e deixar a natureza seguir seu curso. Mesmo durante a filtração é possível observar a formação de um lodo marrom claro a amarelo de Fe(OH)3 no frasco devido à oxidação do ferro. O problema disso é que à medida que a reação ocorre na superfície exposta ao ar, o hidróxido de ferro forma uma película que impede o oxigênio de se dissolver adequadamente na solução. De tempos em tempos é necessário agitar a solução para romper a película. Se deixar tempo suficiente, ela fica espessa e afunda por si só, mas outra se forma. O processo fica muito lento e o perigo de alguém derrubar o recipiente e fazer a maior anarquia aumenta.
Quem tem uma bombinha de aquário pode usar! Basta por a solução numa garrafa alta e deixar borbulhando. A reação irá ocorrer em toda a mistura e esta ficará turva em pouco tempo pela formação de ferro trivalente. Leva mais ou menos uma semana de borbulhamento para converter todo o cloreto ferroso em cloreto férrico.
Após toda solução ter oxidado, o hidróxido de ferro pode ser removido por decantação. Filtrar a solução tem pouco efeito, já que as partículas são muito finas e passam direto pelo filtro. Outra opção é adicionar ácido clorídrico (HCl), vendido no comércio como ácido muriático ou ácido de limpeza. O ácido reage com o hidróxido férrico segundo a reação (IV)
(IV) Fe(OH)3 + 3 HCl → FeCl3 + 3 H2O
É a célebre reação de um ácido e uma base produzindo um sal e água. Fazendo desta forma, obtém-se mais cloreto férrico do que originalmente havia na solução nova. Entretanto, se o ácido for muito diluído, haverá um acréscimo grande de água e pode ser necessário deixar a solução final em uma bandeja para evaporar parte da água.
Nenhuma das reações que descrevi é perigosa, tóxica ou gera qualquer gás. O único perigo real é de manchar tudo a sua volta. Deve-se tomar cuidado de colocar a palha de aço na solução aos poucos e monitorar o calor gerado.
Eduardo
Ultima revisão 28 de April de 2017